Novo produto, uma sinergia entre químico e biológico, promete ciclos mais longos e com maior TCH
Natália Cherubin
Além da crise financeira que o setor vem enfrentando nos últimos dez anos, usinas e produtores de cana-de-açúcar continuam com outros dois grandes desafios para enfrentar: canaviais envelhecidos, por falta de renovação, e a consequente queda da produtividade, que na safra 2018/19 bateu uma das piores médias dos últimos anos: 70 t/ha.
Como manter a produtividade agrícola com uma vida útil do canavial mais longa? A busca das unidades, de acordo com Antonio de Pádua Rodrigues, diretor técnico da Unica (União da Indústria da Cana-de-açúcar), tem sido no sentido de uma produtividade de 85 t/ha não mais com apenas ٤ cortes, mais sim com seis ou sete cortes.
Só para se ter uma ideia, durante o ano de 2018 o plantio da região Centro-Sul teve uma redução de 4,5% em relação ao plantio de 2017, segundo a Unica. Quanto ao plantio de cana de ano e meio (de dezembro de 2018 a março de 2019), a projeção das empresas para este ciclo é de um incremento de 5,3%, a depender das condições climáticas. Mesmo assim, os canaviais que serão colhidos na próxima safra tendem a ter a mesma idade média da última temporada.
Essa é a realidade do setor até o momento. Agora, imagine que antes da necessidade de reforma, o seu canavial pudesse ganhar um corte extra? E se em cinco anos o seu canavial fosse mais rentável? Já pensou se em três anos esse canavial fosse mais forte e vigoroso? Ou então, se já no primeiro corte esse canavial tivesse um resultado de produtividade melhor do que o esperado?
A resposta para todas estas perguntas parece estar em um novo produto meio químico meio biológico, lançado no final de 2018 pela Basf em parceira com a Embrapa. A tecnologia chama-se Muneo Biokit e integra o controle de pragas e doenças junto ao pacote Agcelence da marca e um novo conceito de inoculante microbiológico líquido – desenvolvido pela Embrapa – que contém uma espécie de bactéria fixadora de nitrogênio e promotora de crescimento.
Já muito utilizada na cultura da soja brasileira, a tecnologia da fixação biológica de nitrogênio por meio de um inoculante bacteriano agora pode ser utilizada para aumentar a produtividade da cana-de-açúcar. A solução biológica foi batizada de Aprinza e foi criada em desenvolvimento conjunto entre a Embrapa e a Basf.
Segundo Gustavo Xavier, chefe-geral da Embrapa Agrobiologia, o Aprinza é o primeiro inoculante desenvolvido especialmente para o uso na cana-de-açúcar e representa um marco para a Embrapa, que há mais de duas décadas realiza pesquisas sobre FBN em cana. “Esse insumo biológico faz parte de uma tendência mundial para garantir a sustentabilidade do agro com menor custo de produção. A tecnologia é comemorada, pois é resultado de pesquisa de qualidade realizada com persistência e criatividade”, afirma.
BIOLÓGICO + QUÍMICO = SINERGIA
O primeiro inoculante para cana-de-açúcar vem sendo estudado pela Embrapa Agrobiologia, de Seropédica, RJ, desde a década de 60. A pesquisadora Verônica Reis, hoje responsável pela pesquisa, afirma que a Embrapa possui uma das maiores coleções mundiais de bactérias fixadoras de nitrogênio, especialmente associadas a plantas que não nodulam, como é o caso da soja.
A bactéria que compõe o Aprinza é a nitrospirillum amazonense e recebeu esse nome porque o primeiro relato de seu aparecimento foi em uma palmeira que nascia na Amazônia, mas descobriu-se que ela também coloniza outras plantas, outros cereais e também a cana-de-açúcar.
“A cepa que usamos no Aprinza foi testada em cana em todos os tipos de solo e vegetação. Ainda durante a pesquisa, levamos para canaviais para entender como ela funcionava e quando estávamos avançados nos estudos, a Basf entrou junto conosco em parceria. Conseguimos constatar que esse grupo de bactérias benéficas eram capazes de fazer processos biológicos, como pegar o nitrogênio do ar que a planta não consegue assimilar – 78% do ar tem nitrogênio. Essas bactérias possuem um complexo enzimático que quebra a ação tripla e transforma em amônia, fazendo com que a planta consiga assimilar o seu nitrogênio”, explica a pesquisadora da Embrapa.
Desde o início, quando se cogitou que um produto biológico poderia ser introduzido no sistema produtivo de cana-de-açúcar, a pesquisa já nasceu em associação com produtos químicos, no caso o fungicida L500, que também estava na fase de lançamento pela Basf. “As duas tecnologias realmente cresceram juntas. A gente aplica o Aprinza junto com o Muneo e vê a qualidade, o estabelecimento inicial e a velocidade com que a planta enraíza. Observamos como a associação do químico com biológico trouxe uma vantagem no estabelecimento da cana”, adiciona a Verônica.
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A Embrapa fez testes em solos com classes diferentes de fertilidade natural, variedades, modos de aplicação e época também distintas, o que fez com que a pesquisa demorasse todos estes anos. “Depois da seleção da bactéria, tivemos que descobrir como levar esse organismo vivo para o canavial. Tivemos de cultiva-la em larga escala para que essa população fosse a maior possível, além de manter o seu nível populacional alto e estável para chegar no canavial com todas essas características preservadas. Depois veio a fase de estabilizar o inoculante ao químico”, detalha a Verônica.
Para André Luís Mattiello, gerente de Desenvolvimento de Mercado Centro Basf, o produto é um novo conceito de solução integrada e quebra o paradigma de que produtos químicos anulam produtos biológicos ou que são antagônicos ou, ainda, que não poderiam ser trabalhados de maneira associada.
Como afirmou o produtor agrícola Victor Campanelli, da Agropastoril Campanelli durante evento de apresentação do produto, o setor canavieiro precisa que 1 mais 1 vire três. E é isso que a tecnologia pretende entregar, segundo Mattiello.
“O Muneo Biokit agrega três fatores. O fator biológico, o Aprinza, temos os químicos fazendo proteção e a parte fitossanitária e temos o AgCelence, em aproveitamento de nitrogênio, em indução na produção de fito hormônios, que sobrepõe os efeitos do Aprinza e tudo isso trabalha em sinergia, formando esse pacote. Quebramos o paradigma de que químico e biológico não convivem. Eles, juntos funcionam melhor do que individualmente. Por isso que 1 mais 1 é três. É a sinergia, isso é o químico funcionando com o biológico”, destaca.
A nova tecnologia associa o controle de pragas como o sphenophorus, o cupim, o migdolus, a saúva, tem efeito supressor em cigarrinha, broca da cana e controla doenças como podridão do abacaxi, podridão vermelha e ainda consegue promover um manejo integrado de nematoides. “Além disso, temos os benefícios AgCelence e todos aqueles benefícios de velocidade de brotação, desenvolvimento do sistema radicular, fixação biológica que o Aprinza vai trazer”, afirma Mattiello.
Ainda de acordo com ele, o canavial com menos falhas e mais produtividade significa retorno também econômico, ao passo que se consegue reduzir o custo da cana. “A contribuição para o meio ambiente é o uso do biológico e temos a questão ligada ao lado social, pois possivelmente teremos uma facilitação de manipulação e um ganho operacional bastante grande também.”
GANHOS EM TCH CHEGAM A 18%
![]() Para André Luís Mattiello, gerente de Desenvolvimento de Mercado |
O Aprinza foi testado em campo pela Embrapa por mais de cinco anos em diferentes condições de solo e clima. Testes realizados pela Basf em parceria com universidades brasileiras apontaram um aumento de produtividade entre 9% e 18%.
“Quando se tem uma condição climática favorável, preparo de solo de qualidade, muda de qualidade e tudo está bem composto para o desenvolvimento da cana é mais difícil conseguir demonstrar os efeitos na cultura. Já em momentos em que se tem um clima mais restritivo – como foi em 2017 e 2018 com uma seca acentuada entre os meses de abril, maio, junho, julho e agosto – fica mais fácil de demonstrar. Então, quando fixemos os testes na época de inverno, conseguimos demonstrar nos resultados de campo que a promoção de crescimento do químico funcionando com o biológico existe, ela é real e ela pode servir para momentos difíceis de intempéries climáticas ou plantios em períodos mais restritivos”, salienta Mattiello.
Na média de todos os ensaios, observou-se uma média de incremento de 11t/ha. Portanto, caso o canavial tenha uma produtividade média de 100 t/ha, ela produz 110 t/ha, o que corresponde a um ganho de 10%. “A questão percentual é relativa, mas em média tivemos cana que enquanto produziam 80 a 90 t/ha em tratamentos convencionais, com o uso da tecnologia atingiam 110 t/ha.”
O produto foi testado em todas as épocas e cortes, desde o primeiro até os mais avançados. “Conseguimos avaliar que é possível ganhar um ano a mais com um canavial mais vigoroso. Por exemplo, se você tem um primeiro corte com 140 t/ha, o segundo cai para 120 t/ha, o terceiro cai para 100 t/ha, no quarto cai para 80 t/ha e no quinto cai para 60 t/ha, ai já não está mais se pagando e o produtor tem que reformar o canavial com cinco cortes. Então, se você usa o Muneo Biokit, ele já começa no primeiro corte com 160 t/ha, ai no segundo cai para 140 t/ha, no terceiro para 120 de TCH, no quarto para 100, no quinto para 80 t/ha e no sexto para 60, o que quer dizer que já temos um ano a mais para a necessidade de reforma. Isso o aumento de longevidade. Provemos um maior vigor no qual a planta consegue atingir patamares de produtividade maiores e consequentemente vai perdendo o vigor também mais gradativamente, proporcionando maior longevidade.”
Foram mais de 100 locais de testes com em média de 2 ha cada um. A expressão de área testada é pequena, de 200 a 300 ha, mas de acordo com Mattiello, o que importa não é o tamanho, mas sim a quantidade de áreas trabalhadas no Brasil todo. Os testes foram realizados no Paraná, Estado de São Paulo, Nordeste, Minas, Mato Grosso e Mato Grosso do Sul.
O desenvolvimento tecnológico da formulação contou com a participação de instituições públicas, como a Universidade de Campinas (Unicamp) e a Universidade Estadual de Maringá (UEM). O Aprinza já está autorizado para uso pelo Conselho de Gestão do Patrimônio Genético, vinculado ao Ministério do Meio Ambiente e também pelo Ministério da Agricultura, Pecuária e Abastecimento, com o registro de produto promotor de crescimento para a agricultura.
Por ser biológico, o produto não deixa resíduos químicos no campo, ao contrário dos fertilizantes, sendo seguro ao meio ambiente e à saúde humana. “Também não deixa resíduos no açúcar e no etanol, além de oferecer segurança ao aplicador”, afirma a pesquisadora da Embrapa.
O produto já começou a ser comercializado e a expectativa da Basf é tratar uma área de 150 mil ha em 2019. “Conseguimos ver o comportamento em diferentes tipos de solo, condições climáticas, variedades etc. Chegamos com a segurança de dizer que sim, temos uma ferramenta integrada entre químico e biológico que vai trazer produtividade e longevidade para o canavial. Considerando que teremos uma renovação de 1,2 milhão de ha, teremos introdução em quase 10% da área plantada.”
Pedimos a opinião do doutor em Agronomia na área de Solos e Nutrição de Plantas e professor associado do CENA-USP, Paulo Cesar O. Trivelin, sobre a tecnologia e, de acordo com ele, falta a divulgação dos estudos sobre a tecnologia para crivo de especialistas. “Uma coisa é dizer que tem centenas e milhares de estudos feitos e não publicados, outra coisa seria publicar os resultados em periódicos de impacto em que os artigos passem pelo crivo crítico de outros cientistas que dominam a área de conhecimento.”
Ainda segundo Trivelin, a grande maioria de artigos publicados em periódicos, inclusive pelo grupo da Agrobiologia da Embrapa, não demonstraram em experimentos em campo, os efeitos da inoculação com diversas bactérias na produtividade da cana-de-açúcar e nem tampouco numa FBN significativa. “Todos os resultados publicados e que deram efeito positivo foram em experimentos em vaso e em condições longe das reais em campo. Como sempre as empresas querem lançar produtos sem demonstrar por critérios científicos comprovados que o produto é eficaz. Essa é a minha opinião”, afirma.