*José Cláudio dos Reis Junior
Do ponto de vista jurídico, no que tange ao Direito Contratual, a Lei da Liberdade Econômica (Lei nº. 13.874/19 – origem na medida provisória 881/19) trouxe a alteração relativa à interpretação jurídica dos contratos, com a criação da norma que estabelece que todas as regras de Direito Empresarial serão subsidiárias ao quanto avençado pelas partes em contratos empresárias paritários, com exceção das normas de ordem pública.
Com relação aos Contratos Agrários, o Estatuto da Terra (Lei nº. 4.504/1964) e o Decreto (59.566/1966) que o regulamenta, trazem em seu bojo as diversas regras aplicáveis aos contratos típicos de Parceria Agrícola, Pecuária Agroindustrial e Extrativa e de Arrendamento Rural.
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Na tramitação da MP nº 881 no Congresso, pretendeu-se inserir parágrafo que, genericamente, liberaria os contratantes, quando da formalização de um contrato agrário, da observância das regras previstas na legislação agrária vigente. No entanto, com a manifestação incisiva dos representantes do agronegócio o dispositivo foi retirado do texto e seguiu coerente conforme a sua proposta inicial.
Dentre outros dispositivos, o mais polêmico da MP 881, com certeza foi o inciso VIII do art. 3º que se destacou, prevendo que constituiria direito de toda pessoa, natural ou jurídica, observado o disposto no parágrafo único do art. 170 da Constituição Federal, “ter a garantia de que os negócios jurídicos empresariais serão objeto de livre estipulação das partes pactuantes, de forma a aplicar todas as regras de direito empresarial apenas de maneira subsidiária ao avençado, hipótese em que nenhuma norma de ordem pública dessa matéria será usada para beneficiar a parte que pactuou contra ela, exceto se para resguardar direitos tutelados pela administração pública ou de terceiros alheios ao contrato”.
Destaca-se da redação do dispositivo da MP 881, uma supervalorização do desejo individual, afastando a possibilidade de alegação de normas de ordem pública de uma parte sobre a outra nos negócios jurídicos empresariais.
A crítica à redação possuía maior efeito à luz dos contratos de adesão, onde há conteúdo imposto por uma das partes, sem que haja margem para negociação e livre estipulação do conteúdo avençado, como podemos exemplificar nos contratos de plano de saúde, telefonia celular, de serviços públicos, bancários, seguros etc. Desta forma, o comando trazido pela MP, pela redação que possuía, a parte não poderia fazer uso de normas de ordem pública para lhe socorrer de eventuais abusos contratuais.
Esta barreira foi enfrentada nas audiências públicas realizadas no Congresso Nacional, para debate da conversão da MP em lei. Assim, se o objetivo da medida provisória era de tutelar o micro e pequeno empresário, o texto do inciso VIII, artigo 3º da MP 881 estava distante dos objetivos precípuos, uma vez que poderia fortalecer os interesses de grandes empresas perante o interesse da parte hipossuficiente na relação, ou seja, os consumidores, por exemplo. É importante destacar que a regra anterior não diferenciava contratos empresarias paritários e ou de adesão.
Após diálogos com renomados juristas da atualidade e com as emendas propostas pelos senadores, a solução foi aprimorar a redação, adotando-se que constitui direito de toda pessoa, natural ou jurídica, para a concretização da liberdade econômica, “ter a garantia de que os negócios jurídicos empresariais paritários serão objeto de livre estipulação das partes pactuantes, de forma a aplicar todas as regras de direito empresarial apenas de maneira subsidiária ao avençado, exceto normas de ordem pública” (art. 3º, inc. VIII, da lei 13.874/19).
Desta forma, verificamos pelo texto em vigor, uma valorização das cláusulas pactuadas, de forma que o quanto convencionado pelas partes passa a atingir expressamente os negócios empresariais paritários, o que já era entendimento da jurisprudência superior.
Por fim, a exceção da proteção feita ao “pacta sunt servanda” diz respeito somente às normas de ordem pública, que poderão mitigar ou relativizar o quanto pactuado entre as partes, o que há tempos é defendido pelos civilistas.
Em resumo, houve a alteração da redação do polêmico dispositivo, ficando de acordo com a aplicação da autonomia privada, sem trazer inovações com repercussões práticas diretas a respeito daquilo que se entendia anteriormente sobre esse considerável princípio contratual.
As alterações trazidas pela lei da liberdade econômica consubstanciaram na alteração do artigo 421 e inclusão do artigo 421-A do Código Civil, que seguem abaixo:
CAPÍTULO II – DA DECLARAÇÃO DE DIREITOS DE LIBERDADE ECONÔMICA
“Art. 3º. São direitos de toda pessoa, natural ou jurídica, essenciais para o desenvolvimento e o crescimento.econômicos do País, observado o disposto no parágrafo único do art. 170 da Constituição Federal:
(…)
VIII – ter a garantia de que os negócios jurídicos empresariais paritários serão objeto de livre estipulação das partes pactuantes,.de forma a aplicar todas as regras de direito empresarial apenas de maneira subsidiária ao avençado, exceto normas de ordem pública;
CAPÍTULO V – DAS ALTERAÇÕES LEGISLATIVAS E DISPOSIÇÕES FINAIS
“Art. 421. A liberdade contratual será exercida nos limites da função social do contrato.
Parágrafo único. Nas relações contratuais privadas, prevalecerão o princípio da intervenção mínima e a excepcionalidade da revisão contratual.” (NR)
“Art. 421-A. Os contratos civis e empresariais presumem-se paritários e simétricos até a presença de elementos concretos que justifiquem.o afastamento dessa presunção, ressalvados os regimes jurídicos previstos em leis especiais, garantido também que:
I – as partes negociantes poderão estabelecer parâmetros objetivos para a interpretação das cláusulas negociais e de seus pressupostos de revisão ou de resolução;
II – a alocação de riscos definida pelas partes deve ser respeitada e observada; e
III – a revisão contratual somente ocorrerá de maneira excepcional e limitada.”
* José Cláudio dos Reis Junior é advogado especialista em Direito Agrário, associado pleno da Área de Contratos e Departamento Jurídico do escritório Pereira Advogados.
