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Edição 189

A questão da fitotoxidade dos herbicidas

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Apesar das perdas de TCH por fitotoxidade chegarem a 8%, segundo especialistas, a queda de produtividade por não aplicação de herbicidas pode chegar a 85%

Natália Cherubin

Fitotoxicidade é uma reação tóxica que um herbicida provoca nas plantas prejudicando seu crescimento. Esta fitotoxicidade pode ser expressa em sintomas de baixa severidade no início do crescimento da cana ou após a aplicação, quando o herbicida é aplicado dentro das recomendações de bula, ou pode ser severa quando as recomendações não são seguidas.

Segundo Carlos Alberto Mathias Azania, pesquisador do IAC (Instituto Agronômico), da Secretaria de Agricultura e Abastecimento do Estado de São Paulo, é como se fossem efeitos colaterais que os remédios causam no ser humano. Na cana, a fitotoxicidade é causada pela ação do herbicida de acordo com seu mecanismo de ação. “Todo herbicida causa uma intoxicação, por exemplo, se fazemos aplicação de um herbicida inibidor da enzima protox sobre a cana-de-açúcar, as plantas daninhas suscetíveis morrem e cana apresentará manchas inicialmente marrons e depois necróticas, principalmente nas pontas das folhas durante alguns dias (nesse período o metabolismo da cana está trabalhando para metabolizar o sulfentrazone), mas depois ela se recupera. Assim ocorre para cada mecanismo de ação: als, fsii, divisão celular etc”, afirma.

Como há intoxicação da planta, também há perda de produtividade, que pode chegar a até 8%, segundo Azania. No entanto, a perda de produtividade por fitotoxidade acaba sendo muito baixa se comparada as perdas pela não aplicação de herbicidas. “As perdas são variáveis, mas geralmente se perde até 8% em produtividade, porém, a não aplicação de herbicidas pode trazer uma perda de 85% da produtividade dos canaviais. Então, literalmente, é oito ou 80. Ou perde-se um pouco ou perde-se muito!”

Azania explica que quanto maior o tempo gasto pela cana para metabolizar o herbicida seletivo (neutralizar a ação do herbicida) maior será o impacto sobre seu desenvolvimento. Geralmente, durante o período de neutralização as plantas amenizam seu crescimento e desenvolvimento, mas retomam logo depois de alguns dias. “Durante o período de ‘neutralização do herbicida’ a cana crescerá menos, emitirá menos folhas, desenvolverá menos o sistema de raízes e perfilhará menos. Mas reforço que a soma do impacto dos herbicidas durante o período de neutralização não supera 8% da produtividade. Assim, mesmo pagando até 8% sobre o TCH, os herbicidas são vantajosos no seu custo x beneficio.”

Pedro Jacob Christoffoleti, pesquisador do Departamento de Produção Vegetal da Esalq/USP, diz discordar da afirmação de que se perde TCH por conta da fitotoxidade, pois os herbicidas não causam perda de produtividade se utilizados de acordo com as doses estipuladas na bula.

“Dois aspectos precisam ser bem observados. Primeiro, todo herbicida recomendado para qualquer cultura tem registro no Mapa (Ministério da Agricultura, Pecuária e Abastecimento), sendo especificada sua recomendação na bula do produto. Assim, para considerar a seletividade de um herbicida, é necessário especificar se as condições de aplicação estão dentro da especificação de bula. E segundo, todo herbicida que tem registro passou por rigorosos testes pela empresa e por instituições cadastradas e autônomas, comprovando que nas doses de bula não há qualquer efeito negativo na produtividade”, salienta.

No entanto, alguns produtores negligenciam a bula e fazem recomendações próprias que podem, em alguns casos, reduzir a produtividade. “Comparo o herbicida a um remédio recomendado por um médico. Se o paciente toma-lo dentro das recomendações médicas, o medicamento será efetivo. Porém, se o paciente tomar o remédio fora das especificações, ao invés de curar, o remédio poderá injuriar severamente o paciente. Assim, dizer que todo o remédio é prejudicial à saúde é uma afirmação inconsequente, sem considerar os aspectos de recomendação oficial. É o mesmo que dizer que o médico que recomendou o remédio é um inconsequente”, adiciona.

Lucas Rona, gerente de Marketing e Cana da Arysta LifeScience, concorda. Ele afirma que o que causa a fitotoxidade na cana pode ser o mau posicionamento do herbicida, ou seja, a escolha ou dosagem errada. Pode também se originar de falhas de aplicação com sobreposição de faixa, alguma situação até então não esperada como chuva após a aplicação, ou a aplicação do herbicida em pós-emergência. “Todos os herbicidas levam no mínimo dez anos para serem desenvolvidos e são gastos quase US$ 200 milhões para o desenvolvimento da molécula. Um dentre vários critérios que são analisados é a seletividade para a cultura onde a molécula será registrada. Além disso, outros fatores são analisados como toxicidade ao meio ambiente, aos animais e o período de carência até a colheita da cultura.”

Paulo Donadoni, gerente de Estratégia de Marketing para a Cultura da Cana da Bayer, adiciona que a escolha equivocada de um herbicida em função do tipo de ambiente de produção como tipo de solo, variedade, estágio de desenvolvimento da cultura, período (época) de aplicação e até mesmo o nível de infestação das plantas daninhas presentes, exige uma maior ou menor dose de herbicidas.

“A sensibilidade varietal e características físico-químicas dos herbicidas que se interrelacionam podem também causar diferentes níveis de impactos na produtividade agrícola, que variam de 2 a 10 t/ha”, acrescenta Vinicius Batista, gerente Regional de Marketing da FMC.

VARIEDADES DIFERENTES, RESPOSTAS DIFERENTES

Cada cultivar de cana responde de uma forma à ação dos herbicidas. De forma análoga ao ser humano, pode-se dizer que ao ministrar um antibiótico a um grupo de pessoas todos são curados, porém, em tempos diferentes. Assim agem os herbicidas nas diferentes cultivares de cana. Cada uma possui uma resposta a ação do herbicida, algumas metabolizando mais rápido e outras menos rápido, mas todas conseguindo “neutralizar os herbicidas”, desde que seletivos à cultura.

Hoje as cultivares não são identificadas quanto a ação dos herbicidas, então, esse não é um critério usado para a escolha do produto. Na recomendação do herbicida, segundo Azania, deve-se considerar quatro pilares: a identificação das espécies daninhas (bem como seu estágio de desenvolvimento), os herbicidas eficazes sobre as plantas daninhas identificadas (bem como sua físico-química), a época do ano que se fará a aplicação e a dose do herbicida de acordo com a textura do solo.

Rona afirma que o que causaa fitotoxidade
na cana pode sero mauposicionamento do
herbicida, ou seja, a escolha ou dosagem errada

Rona diz que o ideal é ter sempre como base o manejo correto de plantas daninhas e contando com uso de herbicidas, porém ,englobando vários outros tipos de controle. “Existem variedades que são mais sensíveis e temos que ser cautelosos em relação a doses para qualquer tipo de herbicida, uma vez que, quando uma variedade é sensível, ela é sensível a qualquer molécula e não a uma específica. A melhor forma é procurar fazer todo o manejo, desde a implementação do canavial, de modo que o mesmo se estabeleça livre de matocompetição até o fechamento de seu ciclo, onde posteriormente não será necessário utilizar altas doses de herbicida para evitar a matocompetição.”

Roberto Toledo, gerente de Produtos Herbicidas e Cana-de-açúcar da Ourofino Agrociência, destaca que a seleção do herbicida e/ou dos herbicidas depende dos fatores:

  • Ambiente de produção: questões relacionadas ao solo como textura, tipo, profundidade, CTC e outros;
  • Condições climáticas: épocas de aplicação úmidas, semi-seca, secas e semiúmidas;
  • Alvos: plantas daninhas a serem controladas (espécies, densidade de infestação, estágio de desenvolvimento e distribuição na área);
  • Tecnologia de aplicação a ser utilizada;
  • Doses dos herbicidas a serem utilizados;
  • Variedade de cana-de-açúcar: sensibilidade ao herbicida (sensíveis, intermediárias ou tolerantes) associados ao ambiente de produção e demais fatores.

“Portanto, sintomas de fitotoxicidade e/ou reduções de produtividade não podem ser atribuídos somente ao uso dos herbicidas”, acrescenta Toledo.

Donadoni sugere que o produtor realize o manejo das plantas daninhas tendo como base o equilíbrio entre manter a seletividade e ao mesmo tempo reduzir a matocompetição. “Casos extremos de competição de plantas daninhas, como a infestação já em pós-emergência avançada, predominando sobre o desenvolvimento da cultura, requerem medidas severas de controle, independentemente da fitotoxicidade. Nesses casos é necessário controlar o mato, mesmo que haja demasiada injúria a cultura. Por outro lado, em áreas onde é conhecido o banco de sementes e a flora presente de plantas daninhas, é importante o produtor adotar medidas de aplicação dos herbicidas em pré emergência destas plantas daninhas, assim como da planta de cana. Esse manejo é a prática mais adequada visando reduzir os efeitos de injúria, causados por herbicidas.”

100% DE SELETIVIDADE: VERDADE OU MITO?

Para um herbicida ter o efeito desejado há necessidade de que ele seja absorvido, translocado, mas que não seja metabolizado pela cana, e então, atue em determinado local na célula que interfira na sobrevivência da planta daninha. Um dos principais processos que garante a seletividade da cana é a metabolização e consequente detoxificação dos produtos pelas plantas. A seletividade verdadeira só existe quando o vegetal apresenta o local de ação insensível ao produto, ou seja, tolerância ao herbicida. Quando isso não ocorre, temos as plantas resistentes e esta resistência está ligada aos fatores de absorção, translocação e metabolização.

Desta forma, de acordo com Francisco Gutierrez, gerente de Produtos Herbicidas Seletivos da Syngenta, existem várias estratégias para interferir e reduzir a fitotoxidade dos produtos. “Por exemplo, a idade da cana-de-açúcar com aplicações antes da emergência, posicionamento do produto em relação ao ponto de absorção, raiz ou folha etc. Devemos também nos atentar para os herbicidas que causam as chamadas ‘fito oculta’, onde os danos não são visíveis, mas os processos bioquímicos são afetados de forma a causar redução na produtividade final.”

Na recomendação do herbicida, segundo
Azania,deve-seconsiderar quatro pilares:
a identificaçãodas espécies daninhase do
seu estágio de desenvolvimento,os herbicidas
eficazes sobre as plantasdaninhas identificadas
, a época do ano que se faráa aplicação e a dose
do herbicida de acordo com a textura do solo

Vários estudos, segundo Toledo, demonstram que a seletividade de herbicidas utilizados no manejo integrado de plantas daninhas na cultura da cana-de-açúcar depende de vários fatores como, por exemplo, o ambiente de produção: solos de textura arenosa, média ou argilosa; tipo do solo; profundidade (raso ou profundo); dose do herbicida e dos associados a serem  aplicados; estágio de desenvolvimento da cana-de-açúcar (pré-emergência, pós-emergência inicial, média e tardia, número de folhas); se é cana-planta ou cana-soca; qual a cultivar ou variedade – há materiais mais sensíveis e outros totalmente tolerantes; época de aplicação quanto às condições climáticas (períodos mais chuvosos, secos, ou de chuvas intensas após aplicação), dentre outros.

Sendo assim, podemos dizer que os produtos são 100% seletivos ou isso é um mito? “Se você considera que seletividade é não causar prejuízo na colheita, todos os herbicidas aplicados dentro da recomendação são 100% seletivos, portanto, não é um mito”, afirma Christoffoleti. O objetivo do produtor é que o herbicida não resulte em perdas de produtividade, e isso é seletividade. O mínimo de seletividade é que o tratamento herbicida não afete a produção final, fato este que todos os herbicidas podem atingir se aplicados dentro das recomendações técnicas.

Para o gerente de Marketing e cana da Arysta LifeScience, que oferece um portfólio com cinco produtos para cana, existem produtos 100% seletivos sim. Segundo ele, para se alcançar a máxima seletividade, deve-se escolher a molécula correta de acordo com a situação e em dose assertiva.

“Existem herbicidas que necessitam de muita umidade para ter uma excelente eficácia com seletividade, sendo restritos a essa época. Já outros atuam melhor em época seca e podem possuir ou não restrição a época úmida. Em todo caso, é necessário que se tenha um bom acompanhamento. Um exemplo disso são os herbicidas que atuam muito bem sobre a palha, já outros são restritos nessa modalidade devido a suas propriedades físicas. Desde que recomendados por um engenheiro agrônomo de alto conhecimento e que leve em consideração todos os fatores que devem ser analisados para a escolha do manejo e herbicida corretos, não existe um que seja mais ou menos seletivo, mas sim um herbicida que não é recomendado para aquela situação”, destaca Rona.

Já Azania diz que não há herbicida 100% seletivo e que acreditar nessa história é um grande equívoco. “No mercado não há uma escala de seletividade para cada herbicida. O que há é uma escala que avalia a fitotoxicidade causada na cana, ou seja, mede a sintomatologia na cana. Essa escala varia de 0 a 100, onde zero é a ausência de sintomas na planta e 100% é a morte da planta. Reforço que a escala é visual e mesmo aplicando-se uma nota zero aos sintomas na parte aérea da planta, a mesma pode estar no período de ‘metabolização dos herbicidas’, pois a escala não considera o metabolismo da planta.”

MELHOR USAR, SEMPRE

Independentemente da perda de TCH causa pela fitotoxidade, os estudos e a prática mostram perdas muito maiores pela matocompetição. A conta é simples: soma-se o custo com a aplicação do herbicida e a perda de até 8% sobre a TCH e compara-se com o custo em R$/ha necessários para se fazer quatro ou cinco capinas por hectare e a não perda de 8% sobre a TCH.  Possivelmente, segundo Azania, o custo-benefício com o uso de herbicidas será maior.

Segundo Christoffoleti, para que o
herbicida funcione o produtor deve considerar
o sistema de produção da cana como um
todo e se empenhar em fazer uma boa prática
agrícola, desde o preparo de solo até a colheita

Toledo destaca que o uso de herbicidas é fundamental para o manejo de plantas daninhas em cana-de-açúcar, pois elas podem competir por água, luz e nutrientes, além de ocasionar danos à produção, rendimento e qualidade da colheita, podendo até reduzir a longevidade do canavial. “Em alguns casos, a redução de produtividade pode facilmente chegar a até 85% da produção e diminuir até quatro anos a longevidade do canavial. Às vezes, há necessidade de renovar a cultura já no primeiro ano de plantio. Para plantar uma área de cana de um hectare, investe-se cerca de R$ 5 mil a R$ 10 mil por ha. Se o manejo das plantas daninhas não for adequado, o investimento já é perdido no primeiro ano”, conclui.

Christoffoleti diz que apesar de ser uma tecnologia que tem que ser utilizada com racionalidade econômica e ambiental, não vê como o produtor de cana poderia sobreviver economicamente sem o uso de herbicidas. “Importante considerar que o herbicida sozinho não resolve o problema das plantas daninhas. Para que a ferramenta herbicida funcione o produtor deve considerar o sistema de produção da cana como um todo e se empenhar em fazer uma boa prática agrícola, desde o preparo de solo até a colheita. A cultura tem de ser bem implantada e estabelecida, sendo que o herbicida será uma prática de manejo na cultura. Produtor que não estabelece uma boa cultura, com bom fechamento do canavial, alta produtividade, boas práticas de manejos nos ambientes agrícolas, também não terá sucesso no uso do herbicidas, que funciona somente em culturas sadias e altamente produtivas”, pondera o pesquisador.

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